Onze de agosto, dia do advogado, é uma data histórica. Ela marca a criação, em 1827, dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Olinda. Ao invés de uma mirada no passado, no entanto, e após as radicais transformações impostas por uma pandemia global sem precedentes, a data nos exige um olhar para o futuro.
Os desafios que o país enfrentava naquele 11 de agosto de 1827 eram muito distintos dos que hoje enfrentamos. À época, o Brasil precisava formar o seu quadro burocrático e preencher cargos na administração pública nascente. Como seria de se esperar, o cenário nacional mudou ao longo dos anos.
Com o movimento de acesso à justiça nas décadas de 1960 e 1970, a advocacia, dentre todas as profissões jurídicas, passou por mudanças importantes – ela passou a ser vista como elemento central naquilo que se tornaria a preocupação básica do sistema de justiça desenhado pela nossa atual Constituição: levar a justiça, de modo efetivo e célere, aos cidadãos.
Ao lado disso, a importante atuação da Ordem dos Advogados do Brasil na nossa transição democrática após a Ditadura Militar mostrou, para a sociedade, o papel social fundamental desempenhado por advogados e advogadas. Para além de indispensável à administração da Justiça, a advocacia elevou-se, também, em categoria essencial à garantia da democracia e do estado de direito.
A história da nossa profissão, entretanto, parece ter tomado novos rumos em anos recentes. E, para esses novos rumos, as soluções antigas, as visões antiquadas e a atitude apegada ao passado se mostram inadequadas.
A pandemia que se instalou no mundo no ano de 2020 obrigou o sistema de justiça nacional a acelerar transições que já se avizinhavam. Um inédito isolamento social, que impôs a advogadas e advogados a necessidade de reinventar sua forma de atuar, fez com que o lento processo de mudança, típico do Direito, fosse deixado de lado em nome de mais profundas e rápidas transformações. A mais marcante de todas elas foi o avanço do que poderíamos chamar de justiça digital. Audiências e julgamentos, antes realizados presencialmente, passaram a ser feitos por meio remoto, em plataformas virtuais. Despachos, antes feitos diretamente no Fórum, agora passaram a se realizar à distância.
Não creio ser exagero afirmar que essas mudanças vieram para ficar. A questão que a advocacia precisa enfrentar, neste momento, é como adaptar-se a transformações tão radicais e como ajustar essas transformações às exigências da Constituição. Quando o futuro, inevitável, se estabelece, relembrar de um passado que não volta não é solução.
O primeiro desafio desta nova realidade é a automatização de atividades antes desempenhadas por advogados, bem como o fim das barreiras físicas para atuação profissional. Se, por um lado, há setores de atuação em risco, por outro surgem novas oportunidades que tornam de primeira ordem a necessidade de preparar a advocacia para atuação em novos segmentos de mercado.
Essa preparação, por sua vez, traz consigo mais um desafio: com a nova compreensão do que muitos autores chamam de Justiça como serviço, advogadas e advogados precisam, cada vez mais, de capacitação, treinamento e preparo rápidos, dinâmicos e adequados a uma nova e incerta realidade.
Cursos antigos, pouco voltados à realidade prática e destinados, quase sempre, às exigências de titulação formal típicas de outrora, tendem a perder relevância. Advogadas e advogados procuram alternativas inovadoras, intensivas, preferencialmente digitais e capazes de habilitá-los a atuar com segurança em um novo mercado de trabalho.
Por fim, o avanço da digitalização e a implementação do que Richard Susskind chamou de Tribunais On-line – ilustrados, no Brasil, pelo Juízo 100% digital, regulamentado pelo CNJ – exigem, em especial da Ordem dos Advogados do Brasil, uma intensa preocupação com a garantia do chamado devido processo tecnológico: a adaptação das novas ferramentas digitais às garantias constitucionais fundamentais, cuja defesa é missão da advocacia.
Cabe à OAB, nesse cenário, uma atuação firme para otimizar, melhorar e fiscalizar os novos meios digitais pelos quais atua a jurisdição. É indispensável que atue com vistas a garantir a toda a população o efetivo acesso à justiça. Isso depende de assegurar a advogadas e advogados a observância de suas prerrogativas, inclusive neste novo meio digital. Antes de falar no fim do já famoso Balcão Virtual ou da justiça digital, a advocacia precisa que estas novas ferramentas sejam aperfeiçoadas. Elas podem, afinal, contribuir para uma prestação jurisdicional mais célere, mais efetiva e mais justa.
Tudo isso depende, é claro, da democratização do acesso à internet, verdadeiro direito fundamental no século XXI. O foro não é mais um espaço físico: com a internet, ele está em qualquer lugar. Para estes novos desafios, placas, paredes e tijolos são cada vez menos relevantes. É papel da OAB atuar para, cada vez mais, dar concretude a esses novos valores. A revolução digital da Justiça nos lançou numa nova cruzada em nome do acesso à justiça. É preciso enfrentá-la.
Pensar a advocacia no século XXI é pensar sobretudo em soluções para novos desafios, o que exige abertura para o novo, criatividade, disposição para o diálogo e capacidade de construir, não prédios, mas soluções. Neste Dia do Advogado, parece-me claro que a advocacia clama por elas: não as velhas e já batidas soluções, mas antes novas propostas para novos e inéditos desafios. Tenho certeza que nós, enquanto profissão, seremos capazes de, juntos, fazer frente a cada um deles.
O advogado Raimundo Júnior, conselheiro federal da OAB e coordenador-geral do movimento “OAB que Chega Junto”, destacou, em texto para o Dia do Advogado, um olhar para o futuro da advocacia, especialmente após as transformações provocadas pelas pandemia da Covid-19, que impôs a necessidade de advogados e advogadas se reinventar sua atuação.