25 / 02 / 2019 - 08h48
Candidata suspeita de ser "laranja" recebe R$ 446 mil e tem 319 votos no Piauí

O voto feminino no Brasil tem como data história o dia 24 de fevereiro de 1932. Após 87 anos desta conquista e na semana de comemoração da data, o país vive um escândalo envolvendo a participação das mulheres em supostas candidaturas  laranjas. Mulheres que foram candidatas na eleição de 2018 são suspeitas de terem sido utilizadas pelos partidos para supostos desvios de recursos do Fundo Eleitoral.

Com a proibição de doações empresariais para as campanhas, o financiamento  público passou a ser a principal fonte de recursos das campanhas. No centro do furação estão mulheres que registraram candidaturas, receberam altas somas de dinheiro do fundo público, mas tiverem um resultado ínfimo nas urnas. Para a Justiça Eleitoral, o desempenho delas não corresponde aos valores de recursos recebidos por estas candidatas. Essa discrepância evidenciaria as chamadas “candidaturas laranjas”.

No Piauí, oito mulheres são investigadas pelo Ministério Público Eleitoral por suposta fraude eleitoral. Elas são acusadas de serem candidatas laranjas. Chama atenção o caso de duas candidatas a deputada federal pelo PRB, em 2018, pela quantidade de recursos que elas receberam na campanha.

A candidata a deputada federal Raimunda Marques (PRB)  recebeu o valor de R$ 324.771.90 da direção nacional da legenda. Como resultado na eleição do ano passado, ela obteve apenas 214 votos. Para a Justiça, essa disparidade entre os recursos que ela possuía para fazer campanha e o número de votos evidenciaria a possibilidade de uma candidatura laranja.

O outro caso que despertou a atenção da Justiça Eleitoral é da candidata Soraia Coelho (PR). Para viabilizar a candidatura a deputada federal, Soraia recebeu da direção nacional do partido o valor de R$ R$ 446.955.61. A quantidade de votos recebidos por ela não foi correspondente ao valor recebido. Os mais de R$ 446 mil resultaram em apenas 319 votos.

Outra candidatura alvo de investigação é da candidata a deputada estadual, Tamires Vasconcelos. Ela foi candidata pelo PR e recebeu a quantia de R$ 370 mil para financiamento da campanha, mas só obteve 44 votos. No caso dela,  a Procuradoria da República no Estado recebeu denúncias anônimas sobre a candidatura  em dezembro do ano passado e outras na Procuradoria Regional da República na 1ª Região, em Brasília, no dia 16 de janeiro deste ano. A reportagem tentou contato com as candidatas investigadas, mas não obteve retorno. 

A lei em vigor atualmente prevê que 30% dos recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais, sejam direcionadas às candidaturas de mulheres. Embora  as mulheres representem atualmente 52% dos eleitores brasileiros, a representação feminina na Assembleia Legislativa do Piauí  está bem abaixo disso, dos 30 parlamentares eleitos em 2018, apenas quatro são mulheres. O Brasil ocupa a 152ª posição em um ranking de 190 países sobre o percentual de cadeiras ocupadas por homens e mulheres na Câmara dos Deputados.

Lei da Cota de 30% é questionada


O escândalo das candidaturas laranjas veio à tona depois de polêmica que resultou na queda do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, O PSL, partido do presidente Jair Bosolnaro e que foi dirigido pelo ex-ministro na campanha de 2018, destinou verba milionária para mulheres que tiveram votações insignificantes. A denúncia revelou um esquema de corrupção que envolve mais partidos do que apenas o PSL.

Para alguns políticos, a atual Lei da Cota induziria as casos de corrupção. Segundo os críticos da legislação, a obrigação das chapas serem montadas com 30% de candidaturas femininas, associada a dificuldades de se conseguir mulheres com interesse de serem candidatas, facilitaria os supostos desvios.

A lei é críticada por políticos como o vereador de Teresina, Edson Melo (PSDB). Segundo ele, a legislação leva a uma corrida dos partidos em busca de mulheres, que em alguns casos, estariam apenas interessadas em vantagens em troca das candidaturas.

 “Defendo mudança na legislação. Eu sempre fui um crítico com relação a cota de mulheres da forma que foi posta pela lei. Ela  obriga que  todas as chapas tenham 30% de mulheres como candidatas. A lei foi alterada obrigando que recursos partidários, inclusive do Fundo Partidário sejam doados 30% para mulheres. Quando se forma a chapa tem essa dificuldade de ter candidatura mulheres e alguns acham que podem tirar vantagem. Perguntam o que o partido vai me oferecer? E acontecem esses escândalos de agora. São fundo de dinheiro público e os partidos acabam usando as mulheres como laranja simplesmente para  completar a cota”, destacou. 

Para o vereador, as mulheres estão mais presentes na militância dos partidos, mas esta presença não se consolida em candidaturas eleitorais. “Como militante e candidato a vereador observo que 70% do público que comparece as reuniões políticas nos bairros é composto por mulheres. Elas participam ativamente mais que os homens. A dona de casa tem essa preocupação de acompanhar as discussões sobre melhorias para o bairro em que vive. Isso tem que se transformar em uma participação com relação a política eleitoral”, disse.

Punição mais rígida

Ao contrário do que dizem os críticos à legislação, a deputada Margarete Coelho (Progressista) afirma que a lei é necessária e positiva. Segundo ela, o problema seria a falta de punição para candidatos, partidos e dirigentes partidários acusados de tentarem burlar a lei.

Margarete cobra uma posição mais dura do Poder Judiciário contra essas fraudes. “O Poder Judiciário precisa fazer a sua parte. Ele tem o papel de punir aqueles que fraudaram a cota seja a econômica, seja a de candidatura ou ambas. Tem que punir. Defendo punição não só para os candidatos, mas para os dirigentes dos partidos  e os partidos. Tem que radicalizar. É muito importante que se tenha punição. É preciso radicalizar. Esses casos mostram que a lei é boa e necessária. A fraude existe sim. Na hora que se levanta o tapete tem muito sujeira embaixo”, afirmou. 

Para a deputada, as mulheres ainda precisam de cotas porque a democracia do país ainda excluiu as minorias, principalmente, na representação política. 

“A lei da cota é importantíssima. Existem mulheres que não precisaram e nunca vão precisar das cotas. Elas se estabeleceram na política por algum motivo como sucesso que possuem em suas profissões. Cito o exemplo recente da jornalista Joyce Hasselmann. Mas existem muitas mulheres, como as que estão na periferia, as mulheres negras, que precisam da cota para que cheguem ao cargo eletivo. É porque a mulher é coitadinha e precisa ser ajudada? Absolutamente não. Não é coitadismo. Esse é um problema da nossa democracia. A nossa democracia é representativa tem que minimamente refletir o modelo e desenho da sociedade. Se as mulheres são maioria do eleitorado e não estão nos cargos de poder esse é um problema da democracia e não das mulheres, esse é um primeiro ponto. O segundo ponto é que há uma necessidade de cota não para ajudar as mulheres, mas para aperfeiçoar a democracia”, defende. 

Na avaliação da deputada, estudos provariam que a  participação da mulher em cargos eletivos teria aumentado após a Lei da Cota de 30% entrar em vigor. 

“A cota existe desde 1995 e nunca surtiu evitou. Primeiro era de 20% e nunca chegávamos nem a 10% . A  partir do momento que a cota financeira foi estabelecida e se estabeleceu tempo na propaganda eleitoral gratuita, vimos um aumento significativo no número de mulheres eleitas. Estamos atingindo quase 15%. Isso mostra a relação com a cota. Se não tivesse havido fraudes com candidaturas fictícias seria maior. “, destacou. 

Lei busca vencer desigualdade

A cientista política e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Partidos Políticos da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Zelma Cavalcante, afirma que a necessidade da Lei de Cotas para a participação feminina constata que a democracia liberal falhou na representação de todos os grupos. Segundo ela, é preciso uma distribuição mais igualitária de espaços nos parlamentos contribuindo para um sistema político mais justo e democrático. 

“A igualdade de direito de voto não é suficientemente forte para garantir igualdade de representação política nos espaços político—decisórios, e da compreensão de que não há representação adequada de mulheres sem que as próprias mulheres estejam presentes. Considerando-se que os partidos políticos reproduzem, em seu interior, as desigualdades sociais de gênero existentes na sociedade, e é natural que assim seja como instituições sociais, tendem a reproduzir visões de mundo que obstaculizam a participação das mulheres nos espaços de poder em situação de igualdade com os homens. Daí a crítica permanente de parte dos partidos à lei de cotas, que veio para contrariar essas visões de mundo”, afirma. 

Zelma Cavalcante afirma que a legislação representa uma conquista importante para as mulheres. Ela lembra que em  15 de março de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n. 5617) que decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres, deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997 (Leidas Eleições).

“A ampliação da participação das mulheres nos processos políticos foi assumida como um meio de intensificar a democracia. A literatura da Ciência Política aponta múltiplos fatores para a persistência do quadro de sub-representação das mulheres, tais como o sisstema político, o sistema eleitoral, os partidos políticos além dos aspectos socioculturais dos países, em especial a socialização tradicional de gênero. É dizer, a lei de cotas é insuficiente, mas imprescindível para a luta pela conquista da igualdade de representação das mulheres. Precisa ser ampliada e aperfeiçoada no sentido de se alcançar o comprometimento efetivo dos partidos políticos não apenas quanto ao cumprimento de cotas das candidaturas mas também quanto à eleição de mulheres candidatas, o que implica maior igualdade no tratamento dado às candidaturas”, destacou.

Fonte: Portal cidadeverde.com

 



26 de Novembro de 2024 16h:55
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